15 maio 2010

seção resposta a alunos: globalização e arquitetura

Sobre globalização e arquitetura tem o problema da McDonaldização, em que se produz o contrário das cidades cheias de caráter arquitetônico, tipo Ouro Preto, Brasília, Paris, Roma etc _ cada uma dessas cidades é muito diferente da outra em praticamente tudo que você vê. Na arquitetura mcdonaldizada tudo tende a ser padronizado para que você não identifique qualquer diferença, com arquitetura que poderia estar em qualquer lugar, indiferentemente do caráter específico de cada lugar.

Por outro lado há uma tendência de considerar que essas cidades muito pitorescas, muito particulares são assim por causa da arquitetura tradicionalista (tradições culturais do lugar, tipo arquitetura bioclimática, tipo arquitetura com materiais e técnicas do lugar), simbólica etc.

Não vejo por que ameaçar uma coisa com a outra (o McDonald's não vai dominar o mundo todo, e dá muito bem para conviver com um McDonalds aqui e ali nessas cidades todas mais cheias de caráter). As cidades globais não vão acabar com as cidades cheias de características próprias. Portanto eu acho que há um falso dilema, uma falácia, uma questão que não existe, e que faz a gente perder tempo discutindo à toa.

Também não me agradam as "forças", os bundamoles defensores dos fracos que não pediram ajuda, que posam de defensores das arquiteturas indigenistas, das tradições, das formas decorativas manjadas, dos motivos decorativos cansados, e das técnicas e materiais enjoados. Não vai ser esse povinho bundamole que vai defender a continuidade histórica (método absurdo em si mesmo), ou vai garantir a diversidade cultural determinada (outra maluquice conceitual), nem muito menos a preservação da identidade geográfica (geralmente esses defendores não sabem nem o que é identidade). É muita forçação de barra achar que todos esses "desejos" possam ser representados por algum vocabulário arquitetônico em particular, arquitetura não é só uma linguagem, e se fosse seria como querer que só fossem falados os dialetos locais, sem nenhuma comunicação cultural.

Se bem que muito menos me agradam as "forças" que promovem a invenção gratuita e a disseminação indiscriminada das "novas" formas usando "novas" tecnologias e materiais em resposta às diferenças nas necessidades funcionais e sensibilidades individuais. A arquitetura transcende as convenções e limitações locais, o comércio local, os sistemas de trânsito e transporte e de comunicação e informação locais. Nem sempre as únicas soluções são as tradicionais, assim como nem sempre são as últimas novidades ditatoriais das modas dos arquitetos. Nem tudo precisa ser sistematizado ou flexível.

A tensão entre essas "forças" sempre vai existir, mas cabe ao arquiteto saber se movimentar entre esses conceitos todos conforme o caso, dançar conforme a música, no bom sentido, dando um show de adequação, e não de conformismo. A história da arquitetura é cheia de movimentos opostos, principalmente em termos de diversidade cultural (frequentemente confundida com diversidade estética). Frequentemente esses movimentos se baseiam em filosofias arquitetônicas mais proselitistas do que propriamente reflexivas. Ou seja, se fingem de filosofia, mas são na verdade pura propaganda.

Os patrocinadores da arquitetura global, moderna, tecnológica (sei lá que mais conceitos são ajuntados para fingir que são bacanas) costumam ser os políticos e empresários marketeiros que querem usar a arquitetura como simbolizadora, identificadora das suas políticas de marketing corporativista ou partidarista. Muito comum também é ver uns arquitetos marketeiros, os starchitects, que inventam posicionamentos de marketing para que eles se transformem em marcas, travestidas de teorias.

Na verdade sempre foi assim. O Império Romano espalhou seu estilo como forma de dominação e reafirmação. Os governos coloniais fizeram a mesma coisa. E por outro lado a rebeldia chiliquenta dos arquitetos contra os classicismos e neoclassicismos se encaixa no mesmo tipo de ação política, tentando se impor como necessidade nas mudanças do mundo _ se tudo muda o tempo todo no mundo, então precisamos de arquitetos criativos e proféticos o tempo todo. É sempre assim o modernismo era uma moda que se refletia numa arquitetura que vendia mais sistematização e padronização, com produção em massa, desenho lógico e estética mecânica.

Não sei bem se o comércio global depende de uma constante mudança de consumo para continuar crescendo; não sei se para ser diferente as coisas precisam ser iconizadas em padrões de consumo globais. Aliás não sei nem o que é isso de ícones de mudança padronizados. Não acho muita graça em ficar estudando o que arquitetos famosos fizeram como se fossem as melhores práticas da arquitetura. Um problema que me assusta na globalização é quando eu vejo muitos estudantes e professores que parecem esquecer de estudar o que interessa para só aprender a babar ovo de starchitects.

É claro que Ouro Preto, por exemplo entre outras cidades cheias de caráter arquitetônico, pode se encher de McDonalds e Cadeias de hotel (em que todos os quartos são iguais em qualquer lugar do mundo) sem perder o caráter próprio da cidade. Por outro lado não vejo muito problema nas cidades africanas que se enchem de prédios altos de blindex porque elas querem um talismã que mostre a modernização do país, a inserção de países tribais no mundo globalizado e moderno e tal e coisa, porque as pessoas de qualquer tipo de país ou cidade não vão mudar só por causa dessas arquiteturas monumento. Apesar desses prédios produzirem uma mudança radical dos contextos onde esses prédios são construídos, as pessoas que usam esses prédios não vão virar marcianos, nem nada assim.

Abraços

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