29 março 2007

fim do mundo na moral





Tem gente que acha que tudo é sempre o fim do mundo. Mas um chiliquezinho de vez em quando não faz mal. Tem gente que esquece que o fim do mundo pode estar no próximo passo em falso. Mas um ou outro passo em falso não fazem mal, e podem até ajudar a corrigir os rumos (para evitar o fim do mundo). Muita gente dá seguidos passos em falso, até se horrorizar com a "súbita" proximidade do fim do mundo. Essa gente apressa o próprio fim, ou apressa o fim dos seus amigos, mas não admite que esteja caminhando para o fim do mundo; até porque, querendo ser sempre radical, essa gente acaba gostando de viver na beira do abismo, e pensa que, em grupo, não há como cair.

Pior são os que não voltam da beirada do fim do mundo para alertar os amigos, porque isso os obriga a confessar seus passos em falso. Mesmo que essas pessoas parem, a um passo do fim do mundo, muitos de seus amigos não conseguem frear a tempo, porque não foram alertados.

Pior: Umas pessoas, entre as que já viram o fim de perto, não alertam os amigos sobre a proximidade do fim do mundo, justamente porque preferem ver seus amigos sumirem, a terem de admitir que deram passos em falso. Não querem admitir que sendo radicais, vivendo perigosamente, algum dia fizeram "eme". Assim sem testemunhas, essas pessoas podem voltar do abismo, evitando o fim do mundo delas (porque os amigos vão, ou já foram para o beleléu). Então, essas pessoas sacanas, vão parecer inteligentes, distantes do fim do mundo, independentes de ex-amigos.

Sempre tem também os que já viram o fim do mundo de perto, e que fazem o maior chilique para alertar os amigos sobre o caminho errado, que os levará ao fim do mundo. Só que os amigos acham que é tudo chilique. Que essa pessoa é radical demais, exagerada demais e, sobretudo, que essa pessoa não é realmente ousada. Quando esses "chiliquentos cagões" param, a caminho do fim do mundo, se recusando a continuar, os amigos "ousados e radicais" continuam, e ainda zombam do chiliquento.

É tudo uma questão entre moral e ética. No fim das contas (bem antes do fim do mundo), moral é o que move a pessoa (mesmo que ela esteja sozinha no mundo), e ética é o que move um grupo, por meio das opções morais individuais (mesmo que nem todos no grupo tenham a mesma moral).

Assim, moral é um conjunto de regras absolutas (valem em quaisquer circunstâncias) de conduta para uma pessoa ou para um grupo. E ética é a lógica que move as condutas, de modo absoluto ou em um grupo, sob duas únicas opções: o bem ou o mal.

Então a ética acaba funcionando mais para determinar a moral dos grupos, do que para determinar a moral dos indivíduos. Os indivíduos devem ter uma moral própria antes de "negociarem" eticamente seu comportamento dentro de um grupo. A definição da moral de um grupo, mais do que de uma suposta ética grupal (regras que o grupo resolveu adotar para seus membros), vai depender sempre da moral de cada um de seus indivíduos.

A ética, aliás, deve considerar os sistemas de indivíduos e de grupos, e não um sistema de princípios morais; porque um indivíduo faz parte de um grupo, mas também faz parte de outros grupos; e um grupo sempre faz parte de outros grupos maiores, se relacionando com outros grupos etc. Assim, é melhor prestar atenção na lógica (o sistema) das éticas dos grupos, do que nas "morais" (sistema de regras) individuais ou grupais. Prestando atenção à ética (na lógica da ética) será possível, tanto a indivíduos quanto a grupos, efetuar posicionamentos que levem, naturalmente, às decisões acertadas (as decisões do bem), que produziram efeitos positivos (o bem).

Não adianta um grupo adotar (ou impor) uma moral que contrarie princípios morais de seus indivíduos. Mesmo que, por algum momento, alguns indivíduos abram mão de seus valores morais, para adotar valores morais "exigidos" pelo grupo. Lá pelas tantas, ao fazer suas opções individuais, entre seguir caminhos melhores para o indivíduo (o bem para o indivíduo), ou caminhos melhores para o grupo (o bem para o grupo), por uma questão de sobrevivência individual, o indivíduo vai preferir seguir seus valores morais, deixando os valores do grupo que possam representar perigo (levarem o indivíduo ao fim do mundo).

Neste momento, a moral do grupo se mostrará inútil para aquele indivíduo, e ele abandonará o grupo, mesmo que, por mais algum tempo, continue parecendo fazer parte do grupo. Porém, daí a mais algum tempo, também começa a perigar a permanência de outros indivíduos no grupo, se eles também têm dúvidas crescentes sobre os benefícios de continuar seguindo a tal ética do grupo. Isso sempre acontece também com os indivíduos que apenas "fingem" seguir a moral do grupo, mas, na verdade, seguem suas opções morais individuais.

Enfim, com o tempo, vários indivíduos dentro daquele grupo (que "força" regras de uma minoria que contrariam a moral de seus indivíduos) se sentirão cada vez mais livres das regras do grupo para fazer suas opções segundo seus preceitos morais próprios. Possivelmente, todos continuarão "fingindo" que fazem parte de um grupo, até que percebam que o grupo, na verdade, não existe mais como grupo (não há mais regras de grupo) porque ninguém ali segue mais os valores morais do grupo. Assim, o grupo deixa de ser um grupo com uma ética, e passa a ser um agrupamento circunstancial, sem ética. Na verdade, para os que permanecem, um grupo de imorais, cujas as ações refletem apenas a falta de moral dos indivíduos que permanecem nesse tipo de grupo.

Essas negociações todas, que determinam as opções individuais ou grupais (entre seguir o combinado no grupo, ou seguir os preceitos morais individuais), refletem o comportamento ético, tanto dos indivíduos, quanto dos grupos em si, mas sobretudo, refletem os princípios morais individuais. Se a ética individual é diferente (contrária até) da ética grupal, então o grupo se disfará porque sua ética se desfez, ou se revelou falsa. Ou então, por outro lado, o grupo adotará novas regras (o que representa um "desfazer" do grupo de qualquer modo)

Eventualmente, um grupo apenas reformará sua ética, deixando de adotar padrões de comportamento que prejudiquem seus indivíduos, para adotar padrões mais coerentes com a moral de seus indivíduos, justamente para se manter como grupo de indivíduos.

É possível, por exemplo, que um grupo resolva caminhar unido para o NORTE, enquanto que um de seus indivíduos resolva caminhar sozinho para o SUL. Aparentemente esse indivíduo contraria as regras do grupo, o que pode até causar uma discussão, em que o grupo pretenda expulsá-lo por estar "errado". Mas, por outro lado, pode ser que os grupos maiores, que contêm o grupo menor (o que resolveu caminhar unido para o NORTE), estejam todos caminhando para o SUL. Neste caso, o tal indivíduo "rebelde", acabará se revelando o único "correto". Pode ser até que nas discussões dentro do grupo menor, alguns outros indivíduos, que resolverem olhar para fora, em volta do grupo menor, resolvam fazer como o "incorreto", andando também para o SUL. Pode ser até que, aos poucos, vários dos indivíduos do grupo menor, se virem, e passem a andar para o SUL, desobedecendo gradualmente a combinação grupal de andar para o NORTE. Neste caso o grupo menor terá mudado suas regras de conduta, sem que seus indivíduos tenham mudado seus princípios morais, e sem que tenha deixado de ser um grupo. Aliás, justamente os princípios morais individuais é que terão servido para corrigir as regras de conduta do grupo (a ética). Nesta história toda, depois de algum tempo, se identificará quais os indivíduos dentro do grupo menor estavam certos, apesar de terem sido acusados de errados (anti-éticos, chiliquentos etc) em algum momento.

Pior é que, provavelmente, se terá identificado também quais os indivíduos estavam apenas "forçando" uma suposta ética grupal, que "obrigava" todos a caminharem para o fim do mundo por pura falta de moral. Alguns dos indivíduos enganados descobrirão que estavam enganados e simplesmente mudarão de rumo. Mas alguns dos indivíduos também descobrirão que outros indivíduos, os imorais do grupo, estavam mandando seguir para o NORTE, em nome de uma suposta ética grupal, enquanto que, na verdade, eles mesmos andavam para trás, rumando para SUL, embora aparentemente andassem para o NORTE. Esses são os querem ver todo mundo desabar no fim do mundo, para eles voltarem, se fingindo de sobreviventes. Esses são, na verdade, os indivíduos realmente incorretos, os imorais.

No fim das contas, assim como mentira tem perna curta, a imoralidade também não leva muito longe. Enfim, o problema é sempre dos imorais. Voltar sozinho, ou sobreviver quase sozinho, não é vantagem nenhuma. Se sobressair como líder de um grupo (cada vez menor) que caminha para o fim do mundo também não tem graça nenhuma.

Ser acusado de "errado" por tentar evitar o fim do mundo, por outro lado, é bom, mesmo que a princípio, pareça desagradável (ninguém gosta de ser visto como chiliquento, incorreto, anti-ético etc). Primeiro, é bom por uma questão de sobrevivência, pura e simplesmente. E segundo, é bom porque voltar do fim do mundo em grupo, mesmo sendo acusado de "errado", é bem melhor do que acompanhar ou até liderar a ida de um grupo para o fim do mundo.

Ou seja, o problema não é chegar perto do fim do mundo para ser ousado. O problema é se deixar levar para o fim do mundo por um grupo que pensa que é ousado. E isso é um problema de falta de moral, não de ética, porque em se tratando de grupos, a ética que define os posicionamentos do grupo em relação aos outros grupos maiores e em volta, depende basicamente da moral de cada indivíduo, que definirá o posicionamento daquele indivíduo dentro e fora dos seus grupos. Ousado mesmo é o que tem moral para se deixar xingar ao avisar que não vai dar mais nenhum passo adiante na beira do abismo.

É ou não é?

2 comentários:

Juliana Hosken disse...

É! E como é!!
Bonito texto gegeca. gostei!!

deon disse...

É um texto profundo e circunstancialmente muito ousado!